Seja bem vindos ao meu blog! :)
RSS

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Uma Lembrança de Natal




Hoje estou lembrando dele mais que o usual, seus gestos rudes, sua pele marcada, seu olhar de censura, nossas noites de entrega. Como éramos felizes, eu era. Ainda tão criança, eu não sabia o que significava amar, mas sentia arrepios perto dele, sua voz me fazia estremecer por dentro. São 22:00h e não consigo dormir, deve ser o cabelo molhado que me incomoda tanto ao encostar no travesseiro, mas não mais que a falta do corpo dele encaixado ao meu. Há dez anos ele se foi, ainda lembro das minhas reações, olhando o bilhete que ele tinha deixado na geladeira, li assim: “Doce e Suave,serás sempre a única mulher que terei amado na vida,sabes que eu precisava ir, teu sempre, Gustavo”.
Na hora doeu como quando se leva uma facada no peito, dilacerante. Fui até a rua, fucei os bares que ele freqüentava, a casa de alguns amigos e nada. Só a noite que vinha caindo, alguns gatos da rua sete começavam seu passeio noturno. E uma mulher com lágrimas e um coração partido vagava por entre as ruelas, sozinha. Em casa tomei uma pílula e lembro bem de ter dormido muito. No dia seguinte a notícia pavorosa, Gustavo morreu atropelado e dizem que o carro foi embora sem nem prestar socorro, eram alguns playboys do bairro do livramento, ninguém sabe ao certo, me contou dona Zuleica, a vizinha que dava conta da vida de todos do bairro. Eu cai no chão, porque meus pés pareciam calejados e as pernas com toneladas, a cabeça rodava e o chão era transformado em abismos que eu nunca alcançava o fim, parecia estar sendo sugada para as profundezas de mim mesma, de nossos momentos, a última conversa, o gosto da boca dele ainda estava na minha, seu toque forte e sua forma de me segurar quando fazíamos amor.
Meu filho Pedro abre a porta do quarto e avisa que o pai está chegando, ligou pra dizer que está trazendo presentes para todo mundo, inclusive pra mamãe. Ah, eu dou um sorriso de leve, beijo meu filho e digo que a dor de cabeça não vai deixar a mamãe participar de mais um natal. Vou cumprir meu ritual de todos os anos após a morte de Gustavo, nessa noite que só me lembra ele, a notícia de sua morte logo após a notícia da morte de nosso amor, o bilhete, a última transa. Pedro de súbito me pergunta: Mamãe você é feliz? Eu tive vontade de apertar meu filho e contar pra ele tudo que não consigo dizer ao psicanalista durante anos de psicanálise, mas o abracei, olhei em seus olhos e disse: meu amor, eu te amo, isso me basta.